terça-feira, 21 de julho de 2009

entrenhado.

Ele espumava da boca, á velocidade do leite do pacote a cair no copo de vidro. O stress instalara-se na casa, naquele pequeno pedaço de paraíso estético. Seria-o também emocionalmente se não fosse tais anomalias frequentes na saúde das crianças que por lá habitavam. Era fim de tarde, e a noite anunciara-se longa e desconfortável. Era uma cabana, madeira gasta, farrusca e aparentemente desarrumada. A criança estendera-se involuntariamente no chão, caíra como peso morto e fizera um estrondo. O vaso caiu, a outra criança, uma das meninas, chorou. Não pela criança a morrer, pelo vaso partido. Não gostava de agua, muito menos perto de si. A criança no chão fixava o olhar no tecto. Curiosamente aquela madeira no tecto ainda tinha cor de madeira. A madeira que nos filmes só tem aquela cor no Natal, para dar um ar mais festivo e os tons de castanho acompanharem o vermelho e os dourados. Jogos de cores para atrair o consumismo. E a criança no chão. Não a pensar nisto, nem em nada. Está a morrer, devagar mas sofrendo mais do que a tenra idade lhe tinha alguma vez permitido pensar ser possível. Chegou outra criança, expressões vazias, contornos pouco definidos e cabelo ruivo. Gatinha o mais que pode para ao pé da criança que morre. Chama por ele, deita-se ao seu colo. Faz, sem o saber, pressão no tronco, e mais difícil é respirar. Mata-a mais depressa, então. A criança que revira os olhos e expulsa liquido da boca agradece. Quer que acaba a dor retorcida no seu interior, seja de que forma for. O rapaz mais velho, ainda que criança de cabeça igual a dos outros, entra no corredor. Vê a cena, deixa cair o garrafão da agua sem tampa que carregava para a casa de banho. A criança com medo da agua entra em pânico total. Grita como se lhe tivessem a espetar laminas nas costas. Produz uma expressão de terror no olhar assim que a agua atinge os seus pés descalços. Corre e pisa a criança quase morta. O bebé no colo desta rebola para o lado, mete para se segurar a mão na saliva que escorreu da boca da outra para o soalho. Limpa-a ao casaco rendado velho e grande para o seu minúsculo tamanho. A porta estragada da rua abre. Chegam as crianças gémeas, a tensão sobe. Têm deficiência, ambas, de igual amplitude de gravidade. Que é muita. Não se apercebem do real da situação, correm para a criança que espuma da boca, sorrindo, como se de um jogo se trata-se. Está morto.

4 comentários:

N R disse...

O texto está muito bom. Acho que conseguis-te retratar muito bem a angústia, a solidão dessas crianças sozinhas numa cabana, a ignorância da sua idade, o desamparo. Talvez um pouco dramático demais, mas muito bom e cheio de pequenos pormenores.

Borrega disse...

Arrepiante...
Como um plasticidade fantástica, cravaste as imagens na minha mente...

Bj*

Mara disse...

Muito real.
De vem em quando é bom pararmos e pensarmos em como milhares de criaças morrem assim todos os dias.

Pequena amadora ^^ disse...

uuuooouuuu!
qe historia mais irreal mas arrepiante so de imaginar a cena =O

bjs
txi amo @