segunda-feira, 29 de agosto de 2011

tributos.

A ti, alguém que és, que me demonstras constantemente a diferença ténue entre o calor e o frio, entre a compaixão e o ódio, entre a morte e o nascer. A ti, lua de todas as noites desafogadas, que me embalas no teu relento, escuridão e silêncio obsceno. A ti, voz insana que tanto escuto, por todas as lições, surpresas, desilusões e esticões na pele a que me expuseste. A ti, meu longínquo e rosado mar, que me colhes com toda essa imensidão arrepiante, que me julgas quando te envio pedras. A ti, sentimento mútuo, que te reproduzes, embrulhas e desfazes à mesma velocidade com que me lavo para te tirar do corpo. A ti, amor que tanto me consomes, desolas e provocas. E a ti, meu amor algures, que tanto me casas, foges e atormentas mais que qualquer outra coisa no mundo.

paladares, línguas e (des)gostos.

O coração reparte-se. Entre o livro e o feiticeiro. Entre a cabra e o guião. A mascara cai, lenta e trémula que só ela. Vinga o clarão de luminosidade a uma esfregadela dos olhos, uma dor de cabeça e um palavrão. O coração corrói-se, quente, esponjoso e preto. Preto como a pele que camufla o ser ou não ser. Vêem os navios com os gregos, os cavalos com os troianos, vêm as palavras de outra época e o cheiro que ladra no ar. Humedece a ocasião, num coração que esmigalhado se refresca. Lambe-se a si próprio para uma noção final daquilo de que era realmente feito. Também nós nos deveríamos lamber mais vezes - para nos apercebermos do que está mal em nós, para evoluirmos e termos um melhor sabor.

domingo, 28 de agosto de 2011

curta-metragem «Move»


artigo de opinião #1 - relações.

Eu acredito que uma mulher é capaz de mudar um homem. E é por isso que não entendo as relações passageiras, de meses, à base da falta de respeito e da pouca dedicação mútua. Quando falo em mudar, falo na mais bela e positiva das mudanças, não daquelas que deixam magoa porque foram, precisamente, magoados pelos desvios à fidelidade da parceira. Eu acho que, nós mulheres, se quisermos realmente, se tivermos dispostas a tal entrega, conseguimos mudar realmente o mundo. Pegamos no mais aventureiro dos homens, no com piores maneiras, no infiel, no desajeitado, no indiferente e conseguimos faze-lo mudar. Não mudar por obrigação ou por pedido, fazemo-lo querer mudar, para que se entregue a nós de uma melhor maneira, para nos fazer feliz e retribuir de braços abertos todo o amor que nós lhe dispusemos e que, até à altura, nunca ele tinha provado igual. E ele não será uma pessoa diferente por isso, continuará a ser ele, com a sua personalidade irreverente, mas será um homem que é e quer ser amado de verdade. E isso, fará a maior das diferenças quanto à qualidade e durabilidade de uma relação.

sábado, 27 de agosto de 2011

numa pequena caixa.

Há em cada poro da nossa pele uma melodia inacreditávelmente inspiradora. Melodias que, se nós fossemos sequer capazes de ouvir, nos mudava por completo. Cobriria-nos os olhos de uma outra cor oposta e faria-nos lacrimejar da possibilidade de tamanha grandiosidade ser contida num tão pequeno espaço. (...)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

de autoria desconhecida.

''No amor, ninguém pode magoar ninguém; cada um de nós é responsável por aquilo que sente, e não podemos culpar o outro por isso. Já me senti ferida quando perdi os homens por quem me apaixonei. Hoje estou convencida de que ninguém perde ninguém, porque ninguém possui ninguém. Essa é a verdadeira experiência da liberdade: ter a coisa mais importante do mundo, sem a possuir.''

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

és (um) estranho.

Cheiraste-me a estranho - tal como tantas vezes já me cheiraste. O teu odor já não me é familiar, do teu perfume desconheço a marca, e muito menos coabita ainda o meu sabor no teu palato. É estranho ver-te sequer, quanto mais falar contigo. Ainda bem que a sociedade moderna nos tornou surdos e não te oiço mais. Seria o meu fim, o fim desta estrutura de penas que coloquei em meu redor. Elas voam ao sabor da tua voz - que julgo já não ser capaz de reconhecer. Antes eras música para mim, um violino para Mozart, uma saudação para a velha solitária. Agora não sei o que és senão fragmentos de acordes rigorosos com um cheiro que desconheço e que ainda não tenho certeza se quero descobrir.

domingo, 14 de agosto de 2011

22:21


expelindo.

- Eu não guardei sempre segredo...- ouvi-me confessar por fim, exausta, fatigada de todo aquele aparato. Fechei os olhos por segundos e senti-me em pleno tribunal. Sentada naquele palanco de madeira, como uma espécie de gaiola descoberta onde se sentam os réus, mesmo ao lado do juiz tão firme de martelo em punho. Abri de novo os olhos, afaguei as pálpebras e tudo desvaneceu rapidamente. Não havia salão nenhum, nem gaiola, nem martelo. Ao invés de tudo isso existias simplesmente tu, à minha frente. De olhos postos nos meus, com uma cor que não entendi de imediato se seriam da cor da ligeira compreensão ou se, pelo contrário, apenas estivesses perdido na incerteza do que acabara de te dizer. Foi aí que reparei que já não sorrias como outrora. Aliás, faria anos que não te via sorrir verdadeiramente. E talvez só me tenha apercebido de tal nesse momento por, inconscientemente, ter imortalizado tão ferozmente o teu doce sorriso nas minhas memórias, a ponto de nem ser capaz de reparar que na realidade ele já não existe mais. Serraste o lábio como se me tivesses escutado a mente e quase juro que pensaste o mesmo que eu «não foi só o sorriso que desapareceu...». E era verdade. Entre nos desaparecera mais do que aquilo que ainda ficara. Que era tão, tão pouco. Tão fino como uma linha, tão breve como a contracapa de um livro. E lá no fundo ainda doía sabe-lo. Talvez por isso não o tenhamos prenunciado por palavras audíveis - já que ambos sabemos tão bem que aquilo que é dito magoa sempre mais que a arte da pantomina.
Inspirei fundo, movida pela tentativa de reestruturar mentalmente as minhas ideias o mais claramente possível. Quais seriam as palavras certas para demonstrar o peso que alguém teve na nossa vida, e pior, como explicar esta imortal e intocável fixação por alguém, quando já nem sequer é alimentada? Não irei parecer louca? (...)