quarta-feira, 21 de outubro de 2009

são histórias. II

Há momentos e historias que não se esquecem. E a tua nunca me sairá do ouvido, nem do ombro que ensopas-te em lágrimas. Foi dia, ou até tarde, de certa tensão, desde que a outra saiu da sala de aula a correr lavada em lágrimas. A aula acabou, e quando um sorriso habitou no rosto dela, choras-te tu. Aparentaste-te nervosa todo o dia, os teus olhos estavam sempre húmidos e as mãos ainda mais irrequietas. Lembro-me de baixares a cabeça, agarrada a esse telemóvel cor-de-rosa, sentada ao pé de nós e de num ápice te levantares e correres para longe do café onde todos estávamos. Falavas e gesticulavas com as mãos, não te ouvíamos, só depois o choro. Assisti ao teu desmoronamento, ainda tenho na cabeça a imagem de tu petrificada em pé, de olhos postos no chão, te deixares cair e serrares os dentes enquanto choravas alto. Ninguém se mexeu, nenhum de nós esperava que tu, sempre animada e a dar cor a este bando, fosses mulher de uma cena daquelas. O meu coração, de mãe como me chamas, disparou. Desligas-te, e mórbida deslocaste-te para perto de nós. Uma de nós deu-te a mão e aí choras-te como se alguém tivesse morrido. "Já sabes onde ele anda?" perguntou-te uma outra. Deixei-as encherem-te de perguntas, de abraços que eram insuficientes à dor que sentias. Depois desviei-te delas e só disse duas palavras "Vá, fala." e contas-te. Não tudo, não metade, nem um terço, e se me assustou as gramas que expulsas-te, imagino o resto. A minha ideia sobre ti mudou. Sentias-te culpada, impotente, má e desamparada. Nada do que te disse que consolou, mas paras-te de chorar. "Ficas tão bonita quando choras..." disse-te outra, sorris-te. Vi a pressão, no teu rosto, que fazes em ti própria para seres forte e teres sempre um sorriso para oferecer. É de louvar, também sou assim, quando consigo. Vi também, o quanto o teu coração implora colo. Só um. Um que não tens, mas que já tiveste. Dirigi-te para a aula, e ao encontro da luz da sala de aula foi quase assombroso o quanto mudas-te. Disseste a todos que estava tudo bem, que tinha sido apenas uma recaída por teres visto a outra chorar. Vi o quanto te mascaras aí, o treino que tens na língua em mentir para te salvar a pele falsa. Não te condeno, ganhas-te o meu respeito inclusive. Lamento apenas, que a vida te esteja a ir contra a maré, por teimosia de um colo vazio.

3 comentários:

Daniela disse...

tão bonito. a maneira como consegues traduzir para aqui cada sentimento, cada viver. tenho lido, há alguns dias, desde que vim, por acaso, parar ao teu blogue, os teus textos.. e deixam-me petrificada, cativada, fixa, a devorá-los até ao fim. e é incrível como, em tantos, pareço eu a falar. ou melhor, parece que vem de mim, os sentimentos que deixas aqui. a maneira como os sentes e vives. por isso não deve nada ter sido por acaso que aqui vim parar.

por agora, resta-me dar-te os parabéns pelo que escreves, a maneira como o fazes, e agradecer-te por isso e pela maneira como fazes sentir quem lê :)

N R disse...

Uma das coisas que mais me surpreende nas mulheres é essa força que algumas mostram, choram e choram, ouvem tudo - mesmo alguns comentários "evitáveis" - e depois conseguem seguir de cabeça levantada, mesmo que isso as coloque ainda mais susceptíveis à maré.

Rita Silva Avelar disse...

gostei muito deste pequeno relato. é dificil fazer descrições.

kiss