quarta-feira, 25 de novembro de 2009

chamada noite

Minha lua nova, não desvaneças hoje cedo. Quero ver no escuro da noite a aura mais primitiva de cada um de nós. Quero ver o efeito principal e detalhadamente cada um dos secundários que o álcool ingerido provoca nas mentes férteis destes que pelas ruas caminham comigo. Quero ver os olhos a custarem abrir, avermelharem, a serem forçados a semi-cerrarem para conseguirem ver o máximo de nitidez nas coisas. Quero ver o suor a escorrer nas mãos e as camisas a encharcarem por todos os lados. Quero a realidade, o pior estado do ser humano. Quero assistir ao amarelo dos dedos e dos dentes com o atenuar rude do tabaco e seus companheiros de vícios. Quero ver os corpos a vaguearem desajeitados pelas ruas, os gritos loucos e roucos e os risos mil, de batons borrados e lábios inchados. Ilumina estas figuras que tanto me esquenta a curiosidade, o ferver crescente do álcool a passar na traqueia antes de borbulhar arduamente na garganta vai causar peripécias e eu quero vê-las de perto. Cada choro, cada aperto ou vagão no mais íntimo ponto fraco nosso será ameaçado e eu desejo ver as lágrimas caírem de manso e depois em cascata. O lado rebelde que se solta das almas tímidas e sossegadas do dia a dia mudam ali, sob ti, lua nova. Remexem-se sem constrangimentos, sem preconceitos ou vergonhas. Divertem-se, porque com a visão turva e a cabeça num turbilhão tudo é engraçado e a noite parece o melhor sitio em que um homem pode estar. Quero ver os corpos cansados e inconscientes no chão ou sentados de cabeça entre os joelhos e impurezas jorradas no chão. Um cúmulo de nojice que segundos antes foram o melhor momento das suas vidas. Quero ver o choque e desespero dos casacos perdidos e as malas roubadas, os telemóveis esquecidos nas casas de banho públicas. O pânico da falta de dinheiro, gasto em copos, para voltar para casa. Os empréstimos de ultima hora, os amontoados de cêntimos e poucos euros para dar pelo menos para um bilhete de metro ou comboio. Que mesmo assim os sorrisos logo depois reaparecem, por ser ainda de noite e aos seus olhos o enlouquecimento da espécie ter corrido maravilhosamente e combinam as próximas saídas nocturnas. Quero, oh lua nova, assistir de camarote a este ciclo em que a palavra sóbrio não entra.

6 comentários:

N R disse...

Adorei, deu para sentir mesmo uma vontade enorme, que me contageaste a ler este texto, de sair porta fora e ver o mundo.

maria gabriella disse...

brutal, escreves mesmo muito bem :)

Joana M. disse...

para mim este é um dos teus melhores, senão o mais sublime.

Mara disse...

Não sei porquê, mas a noite fascina-me.
Admiro sempre a tua profundidade.

pequena amadora ^^ disse...

Concordo cm tds os comentarios escritos at agr mas o da Mara e do Nuno R. foram os qe mais se encaixaram nao primeira impressao deste texto =D

"nao sei pq, mas a noite fascina.m..."
"deu para sentir mesmo uma vontade enorme...de sair porta fora"

bj ^^

vânia disse...

escreve cada dia melhor! ameiiii! *