segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O almirante I

Serei eu, alma assim tão rude, para merecer tal tratamento? Penso que não. Aliás, de certo que não. Pois se houve vivo ser mais caridoso à pátria do que eu nesta vida, que se levante do assento, que daqui não o consigo ver. Há em todo o meu envolto uma espessa brisa de desconfiança e antipatia. Como se fosse eu o causador de toda essa desgraça que vos ocorre de momento na vida. Pobre de mim, e que injustiça será, se for real este vosso pensamento. Não sou mais do que um curioso amigo, cheio de memórias, que não se anuncia e de estadia rápida. Só quero espalhar a minha história. Odeio estar a mais, ou pior, incomodar aqueles que de todo me são desconhecidos. Sou um penoso homem perdido no tempo. Porventura até acharam o meu dialecto um pouco antiquado, e por isso mesmo, peço perdão. Mas durante muitos anos fui almirante no mais belo farol, do mais belo cais. Relembro muito bem, todos os dias quando encosto a cabeça à almofada, esses gloriosos tempos em que eu descia as ruelas para o porto. Ainda mal o sol tinha aclareado, já eu vislumbrava todas aquelas janelas coloridas das casas dos pescadores. Sonhava também eu ter um pequeno pedaço de paraíso como aquele, que me acolhesse nos dias mais frios. Mas o que tinha de mais parecido com a antiga casa de Adão, era o meu querido farol e toda a sua imensa vista para todo o oceano. (...)

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