sexta-feira, 6 de novembro de 2009

letters. IX

Querido mar,
sei que faz tempo que não te vejo sequer. Que não falo, que não dou sequer sinal de vida. Sei também que é injusto somente recorrer a ti quando memorias me acompanham o passo no passeio oposto ao qual eu estou. Mas os sufocos deste tema são somente teus, para tu escutares. És quem sabe tão bem no teu próprio corrimento o quanto minhas lágrimas já foram sal nessa tua imensidão de agua limpa. À poucos dias vi-o. Acompanhado com mais uma alma que desconheço se sereia se piranha. Conheço apenas o que ver esta situação fez ás minhas ondas, tornou-as por segundos tão miúdas e agitadas, como quem tem um calafrio e tenta esconder a pele arrepiada por timidez. Não senti amor, não senti ciume ou inveja. Apenas desilusão, e certa pena. Não sei em concreto se me quereria ali; mas ver que aquele corpo magro e louro que caminhava com ele para sua casa, como se uma estrela-do-mar prostituta fosse (e ele sorrindo pela vitória de mais uma conquista) magoou os meus canais que ligam ao meu mar, a ti. É como um ciclo sem fim, sem um travão certo. Meu antigo amor agora é um só corpo, o meu inimigo reconheceu com quem trocava juras de amor e abandonou o seu navio. Ele quente, apurou o olfacto marinho de tubarão malandro e fez-se à caça. Feroz e confiante. Como eu o conheci, como as estrelas do mar em fila que leva para a cama de areia o conhecem. Sempre o mesmo, sem mascaras. E o incrível está que no final do somatório todas gostamos do seu fogo ardente.
em momento de nostalgia,
Mafalda

3 comentários:

Z. disse...

olha tenho imensas saudades de ir a praia, mergulhar na agua e ficar com o corpo salgado... é uma sensaçao que adoro. adoro o mar. e como sempre mais um texto muito bem escrito ;) xx

N R disse...

Fogo ardente pode destruir muitas florestas de pinho verde, mesmo estrelas do mar que se aventurem fora de água podem ficar queimadas. Mas depois do fogo, fica apenas as cinzas. Quanto o mar, quando saí dos seus redutos, inflitra-se pela terra e faz com que a vegetação ardida possa voltar a mostrar um verde exuberante. O fogo é momentâneo, o mar eterno, mesmo que por vezes seja esquecido.
Não te esqueças, o mar destroí o fogo, nunca o contrário. Uma aliança entre fogo e mar é a maior força da Natureza, caso correm lado a lado no mesmo sentido, mas se o fogo começa a ficar guloso, é ver as primeiras gotas a cair-lhe em cima, com ele a chegar-se para trás, sem resquícios de fumo para amostra, a inverter-se para pequenas chamas aqui e ali. O mar segue sempre o seu caminho, pois é a força maior.

O mar inunda e engloba, dá e é vida.

Violet disse...

E constato mais uma vez a minha ideia de que as tuas palavras têm uma força indescriptível.
E o que trazem as tuas metáforas também faz parte da minha experiência de vida.
Aquel fogo ardente que nos cativa, uma e outra vez, nos leva de oceano em oceano. Fogo é cinzas, água é vida eterna.
O mar, segue sempre o rumo certo, não te esqueças.
Um abraço.