quarta-feira, 15 de abril de 2009

nocturna.

Ás vezes preciso de dar romantismo ao meu quotidiano, tal como nas novelas, em que pode haver o auge da desgraça, mas os detalhes serão sempre elegantes e tentativas de aparentarem naturalidade e poetividade. De silencio raro instalado numa casa cheia , dirigi-me pacatamente á cozinha, descalça com a beringela do verniz das unhas dos pés a darem vistosidade aos comuns passos. Abri o armário mais alto, em pontinhas dos pés escolhi a caneca mais bonita. A preta com letras laranjas primavis que soletram «café». Pousei-a e contemplei-a. Por traquinice não lhe depositei café, mas sim leite. Aquele que bebo do pacote por pressa (pressa para quê?). Segurei-lhe de dedos firmes e compridos pelo corpo e base, não pela "asa", porque acho rústico. Bebi um pouco e olhei por segundos a televisão muda mas ligada «não, não me apetece.». E agilmente passei a caneca de uma mão para a outra, desligando a televisão com a livre e de seguida fechar a porta da divisão. Desliguei a luz do Hall e vi-me no meio da escuridão arrebatadora, bebi. Virei-me e percebi que afinal o acto do escuro era interrompido pela luz vinda da porta entre-aberta do meu quarto. Abri-a e senti-lhe o gosto. A luz cor de rosa junto á cama e o caminho até ela cheio de armadilhas espalhadas pelo chão e moveis. Não gosto de dizer que sou desarrumada, apenas tenho uma diferente forma de organização.
Por saltinhos e largas passadas alcancei o recanto da minha cama com a luz rosa que aquecia a área e a aparentava mais pequena. Sentei-me encostada ao almofadão que encaixava no espacinho entre a cama e a parede. De cabeça vazia voltei a observar a minha caneca meio cheia (ou meio vazia?) ... E reparei que tinha uma falha na zona lisa. «Lá se foi a mais bonita.» Não, não é correcto dizê-lo. Quebrando o desejo de esta noite não pensar em nada e dormir, caí na emboscada da sucessão de pensamentos «... Não me deitou fora quando percebeu que eu tinha um 'defeito'. Continuou a achar-me bonita, mais ainda, por ter esse defeito»; com a caneca pousada na mesinha-de-cabeceira quase a tocar-me no nariz, deslizei nos lençóis nocturnos.

Não durmo à dois dias, este sufoco está a matar-me...

5 comentários:

Marianinha disse...

gostei tanto da parte final. eu costumo dizer que quando encontramos um defeito, devemos tentar contorná-lo e não dar como 'estragado'.

Espero que fiques melhor Mafalda :)
Um beijinho, *

Joana M. disse...

Que belo texto, Mafalda - ver o bonito até no defeito. :)

:o não dormes à dois dias?! espero que o de hoje corra melhor.

C disse...

os defeitos fazem parte de nós e têm um lado bom. um bonito texto, como sempre!

Espero que hoje consigas dormir : )
um beijinho*

Anónimo disse...

Ja tinha saudades de ler os teus textos :)
Espero que tenhas andando a dormir menina..

Adorei amoure ^^

Mara disse...

A tua escrita é perfeita...
Acho que de todos os textos teus que já li este encheu-me o peito. E agora deste-me um argumento deveras forte quando o meu pai vier ralhar comigo:
«Não gosto de dizer que sou desarrumada, apenas tenho uma diferente forma de organização.»

beijinhu