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É como ver opostos a dançarem o fervor do enlouquecimento com o ideal da consciência. Sou complicada. Apanhei o cabelo num rabo-de-cavalo e com a minha espécie de franja fiz uma poupinha com ganchos no cimo da cabeça. Fica estranho, mas agora tenho usado muito. Adoro cores de cabelos. Por minha mais profunda vontade era loira. Gosto do dourado e o amarelo a guerrearem numa palavra tão parva como "loiro". Não é o nome que se dá aos papagaios nas anedotas? Mesmo assim gostava de ser loira. Há por aí muito cabelo castanho. Os latinos são assim. Não gosto de castanhos. É o usual e eu cá não sou dada a essas companhias. O castanho das outas pessoas não tem graça. O meu é giro. É da cor da madeira molhada. Não da lenha que metem na lareira. Aí já está demasiado escura. É pareçida à cor da madeira do tronco despido, mas molhada. Só porque lhe intensifica o tom e lhe dá brilho. E também porque sou muito complicada na definição de uma cor. Para mim, nada é simplesmente amarelo, azul, roxo ou vermelho, gosto dos variantes das cores, do salmão disfarçado, do roxo beringela e do preto chocolate, por exemplo. Cabelos pretos também são aceitáveis. Invejo o sensual da cor. O ruivo é o inesperado e a incógnita. Já viajei imenso e não me lembro de alguma vez ter visto alguém de cabelo cor-de-laranja natural! Vejo estupidamente bem. É uma particularidade de que me orgulho. Os meus oftalmologistas dizem sempre que vejo demasiado bem ao longe. Portanto sorri, a Mafalda está a ver-te. Gosto de falar como gente miúda. Com muitas paragens, sorrisinhos, fazer perguntas sem esperar pela resposta e mudar de assunto muitas vezes. Faço-o com pessoas intituladas de sérias. Não há nada mais fascinante que quebrar uns lábios serrados e um olhar de desprezo pela minha pessoa. Sou boa nisso. Muito boa. Acreditem ou não. Ser-se bom em algo é relativo. Eu cá não sou boa em muita coisa. Nem em gastar dinheiro, que é o mais fácil para a sociedade. Sou boa a escolher cósmeticos e livros. Livros para mim. Para os outros sou o desespero. Acabo a impingir uma montanha de papel e a pessoa não vai gostar nem de metade. As vezes sou chata. Tem graça ser-se melga. Eu adoro sê-lo propositadamente. Não gosto de selos, são feios. Sê-lo / selo, perceberam? Foi um trocadilho. Uma piada-à-mafalda como diriam os meus amigos. E ainda que os coleccionadores de selos não se riam por vingança mesquinha de eu não gostar, os outros podem rir-se se faz favor. Eu estou a ver, não se esqueçam. Já tenho idade para ter juízo, eu sei, mas como ultimamente me andam a dizer que não pareço ter a idade que tenho, olha aguentem-se com as consequências dos vossos actos.